domingo, 28 de fevereiro de 2010

Transformação



Neste fim de semana a minha atenção fixou-se na necessidade duma abertura consciente á dinâmica dialéctica da transformação. Sem transformação não há evolução e sem evolução não há futuro. A própria morte é em si mesma um estado evolutivo. Tudo se transforma portanto tudo evolui. Faceta alguma do ser humano, por mais blindada que esteja, permanece estática. Assim se alguma intervenção podemos ter no processo evolutivo, quer individual, quer colectivo, só pode ser potenciando ou mesmo acelerando esse mesmo processo. Potenciando o processo degenerativo aceleramos a degradação, potenciando a força da inércia aceleramos a estagnação, potenciando o processo criativo aceleramos a evolução para um estado superior. A insistência na desgraça não conduz à graça, a persistência na reprodução de modelos falidos não conduz ao qualitativamente superior e a resistência à transformação ousada impede, ou pelo menos dificulta, o surgimento de energias transformadoras. Com alguma revolta, mágoa e tristeza constato que os principais agentes interventivos da mudança parecem demasiadamente entretidos em reproduzir até à exaustão a desgraça, os processos degenerativos e a reprodução de modelos falidos. Será que desistimos de construir, de inovar, de ousar, de inventar, de correr o risco da aventura inteligente?
O tema referencial da liturgia cristã deste 2º domingo da quaresma é a Transfiguração. Tentar ver para além da figura e descobrir o que está para lá do imediato, do palpável, do sensorial, do quantificado é abrir a janela de acesso á dimensão transcendente da existência humana. Se apenas nos empanturrarmos com a matéria jamais saborearemos a dimensão do espírito, jamais faremos a experiência da transfiguração.
Também neste fim de semana Abraão foi invocado como o pai dos crentes no Deus único. Ao longo da História e a partir de Abraão atarefámo-nos a moldar Deus à nossa imagem , semelhança e medida e assim passámos a invocar o Deus dos judeus, o Deus dos cristãos e o Deus dos muçulmanos e desenvolvemos religiões que muitas vezes se combatem, algumas vezes se toleram e muito poucas vezes dialogam. Infinita é a paciência de Deus que tem o tempo e a eternidade para aguardar que aprendamos a convergir e a caminhar juntos e em harmonia.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Desinstalação

É impossível não estar atento ao que acontece à nossa volta! Andamos atarefados com o supérfluo, frustrados porque o tempo não permitiu que brincássemos ao Carnaval, aparvalhados com o clima de comédia instalado pelos sucessivos folhetins de baixa política, ampliados até à exaustão pela comunicação social. De repente e sem sermos ouvidos, a Natureza mostra-nos que não somos os senhores do mundo, mas apenas seus usufrutuários e que ou sabemos conviver respeitando as suas regras, ou somos vítimas dos nossos excessos e imprevidências. Ainda recentemente assistimos à tragédia do Haiti. Ontem fomos surpreendidos pela catástrofe na Madeira. Os danos em sofrimento humano não são mensuráveis para cada um dos atingidos e os estragos em valores materiais e ambientais não são fáceis de contabilizar. Solidariedade na vivência do sofrimento presente e compromisso de reconstrução a pensar no futuro são sentimentos que devem unir os portugueses e polarizar as suas energias e generosidade. Se temos tanta dificuldade em definir e assumir objectivos colectivos, ao menos sejamos lestos em ultrapassar as dificuldades e dramas que se abatem sobre nós.

Nesta semana que terminou fui especialmente sensível a três grandes realidades:
- A realidade humana e portanto a realidade de cada pessoa é marcada pela precaridade. Ser humano é ser alguém que tem de aprender a viver com a precaridade, com o relativo e com o transitório. Sedentos de segurança, de apoio firme e de apoio consistente para onde ou para quem nos dirigiremos?
- O ser humano na ânsia de dar resposta à sua precaridade facilmente procura refugiar-se na azáfama da posse de bens transitórios (do ter) e no desejo de crescer em poder ( ser o seu próprio ídolo e ser tratado como divindade). Contudo os ricos e os poderosos continuam a ser os primeiros arautos mais visíveis da precaridade humana.
- Uma sociedade que assuma com realismo consequente a sua precaridade presente e cultive a esperança individual e colectiva só pode avançar se progredir pelas vias da Justiça e aprender a gerir de forma justa o "ter " e o "poder". Como sair da nossa ilusão da auto-suficiência e aceitar que só podemos avançar de forma solidária?

As comunidades cristãs deram início a um longo período de reflexão chamado Quaresma. Procuram respostas para o sentido da vivência do transitório, para a urgência de encontrar e encorajar novas formas de convivência que coloquem o "ter" e o"poder"ao serviço do "ser" e procuram "apurar o seu gosto pela Vida".