segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A caminho...

 
É habitual dizer que o caminho se faz caminhando, que devagar se vai ao longe, que malhando se molda o ferro, que tudo é dinâmico, que tudo é movimento. Assim sendo qualquer tentativa de compreensão da realidade a partir duma visão estática, monolítica, ou legalista  do agir e do existir está de antemão sentenciada ao desajustamento. Querer que os sapatos adquiridos na adolescência possam ser usados na idade adulta, só porque os pés são os mesmos e os sapatos são ótimos e de boa marca, é condenar o indivíduo a andar descalço, dificultando de muitas maneiras o seu caminhar. A energia é expansiva, a finitude tende para o infinito, o limitado tende a alargar as suas fronteiras.
Assim uma visão estática do ser humano em particular e da humanidade em geral conduz indubitavelmente a uma análise desajustada pois fica prisioneira do passado. Ou nos movemos a partir do sonho, da intuição do futuro a construir, da luz dum nascente, ou nos transformamos em incapazes para o diálogo motivador e gerador de ânimo libertador e força anímica.
Ontem proclamou-se de muitas maneiras e em muitos linguajares que a norma suprema  que surge diante de nós como imperativa é a de aderir à VIDA e sair ao encontro de todos os viventes. Assim eu vivo, tu vives e juntos proclamamos a VIDA.
A solidão mata, a limitação aprisiona, a finitude asfixia.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Adulação e hipocrisia



Hoje fiquei sensível a um tipo de comportamento relacional que podemos classificar de "adulação e hipocrisia". Tal acontece quando alguém se dirige a um outro (sujeito individual e ou coletivo) elogiando para o seduzir e de seguida lança uma armadilha para o condicionar ou pôr à prova. Assim do tipo: "o povo português é um povo inteligente e pacífico, por isso aguenta ser esfolado, desde que o vamos entretendo com paliativos que lhe garantam a sobrevivência ou o alívio da dor provocada pelo sofrimento instalado".
Esta forma de relacionamento tem sobrevivido e prosperado ao longo da história das civilizações e das religiões. O pobre adula o rico para obter as suas benesses, o rico adula o pobre para reforçar a sua submissão, o detentor do poder político elogia os seus partidários e os seus concidadãos para reforçar a sua liderança e conquistar os seus votos, os detentores do poder religioso elogiam a submissa humildade dos crentes para reforçar a sua dependência e a sua adesão emocional.
Se eventualmente e furando a lógica do espetável, alguém denuncia a hipocrisia escondida atrás do elogio sedutor, este deve ser tratado como incómodo, revoltado, marginal, agitador e sempre perigoso. Que se desmotive o pensamento sério, que se vigie a dinâmica do relacionamento, que se calem todas as teologias da libertação, que sejam aniquilados todos os inconformados. "Se sempre foi assim é porque está certo, é o mais conveniente e o que acarreta menores riscos".
O que se passou é que me atiraram à cara do meu pensar, na celebração da liturgia semanal do passado domingo, a célebre passagem do evangelho de Mateus que fala da necessidade de "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Então poderemos assistir a um mais elevado grau de hipocrisia do que aquele que animava os intervenientes que se dirigiram ao grande Profeta da Galileia? É que Ele mantinha com consistente insistência uma atitude de "denúncia da realidade presente e de anúncio duma nova realidade que estava a chegar" e por isso tinham decidido que deveria ser eliminado. A decisão estava tomada, bastava criar a ocasião, em termos que aparecesse como uma forma de zelosa defesa do bem comum. Os detentores do poder religioso deram as mãos aos detentores do poder político, apesar de cada qual detestar o outro, mas servindo-se do outro como trampolim para atingir o seu objetivo. Mas já alguma vez se viu uma hierarquia religiosa aceitar pôr em causa o seu poder sobre a consciência dos seus fiéis, ou alguma estrutura de poder político aceitar sem luta conceder liberdade aos seus subordinados? Até isso acontecer muitos profetas terão ainda de perecer.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Grandes gestos

 
A grandeza dos gestos radica em quem os emite e adquire a sua amplitude na mensagem que encerram e na excelência do destinatário a quem se orientam. Um grande gesto pode valer muito mais que grandes e inflamados discursos. De facto não escasseiam as palavras, tanto mais inflamadas quanto menos portadoras de convicções, mas escasseiam os gestos que apontem para vértices de convergência dos vários pontos de partida.
No passado dia 8 de Junho reuniram-se no Vaticano três destacados crentes membros de cada uma das três confissões abraâmicas: cristãos, muçulmanos e judeus. Tudo indica que não negociaram, nem recriminaram, nem declararam vitória, nem reconheceram derrota. Tão só rezaram e pediram ao Deus que todos reconhecem que ajude a perceber que a paz resulta não da imposição pela força, ou da destruição do outro, mas do reconhecimento do outro.
Muita história se viveu e escreveu até se perceber que, na linguagem do Papa Francisco, dentro de cada cristão existe um judeu. É preciso descobrir agora que dentro de cada crente há também um cristão, um judeu e um muçulmano, vivendo em paz e dando o seu específico para o reconhecimento de cada crente no "Deus de Abraão".
A minha oração não passa dum murmúrio de criança meio ensonada, mas mesmo assim continuo a dirigir a Deus esse meu murmúrio solicitando- Lhe que acolha e dê consistência à oração destes crentes.